O propósito e o mercenário

Vejo sempre com genuíno interesse as muitas teorias sobre a felicidade nas organizações, ainda que concorde apenas parcialmente com muitas delas. Passei os últimos 15 anos a trabalhar não apenas mas também sobre isso em múltiplos contextos, setores e empresas. No nosso círculo próximo, tenho muitas vezes discussões sobre o tema e a minha opinião tem evoluído. Como sempre, tendo a desconfiar de panaceias ditadas de cátedra. Ajuizo mais pelo que vejo acontecer na vida real – no dia-a-dia das empresas comuns.

Em primeiro lugar, acredito que Jack Welch (R.I.P. – Master Jack) tinha razão: 70% das pessoas numa empresa querem ser apenas pessoas “normais”, que fazem bem o seu trabalho mas não consideram que o trabalho seja muito mais do que devia ser: uma aceitável forma de subsistência. Estas pessoas têm que ser estimuladas crescer, mas têm sobretudo que ser tratadas com urbanidade e proporcionalidade – dar e receber. Tem que se lhes reconhecer também que são elas, tantas vezes, que fazem o essencial do que nos paga os salários: não podem ser os “enteados” da empresa.

Depois há que compreender que se nem toda a gente quer ser “fast tracker”, é também impossível dar o salto sem um punhado de gente “mexida”, inconformada, com “pêlo na venta” e “sangue na guelra”. Estes têm que ter autonomia, têm que ser motivados a assumir esse papel e positivamente diferenciados.

Esta reflexão vem a propósito das dificuldades típicas de retenção que hoje vemos e das muitas discussões que mantemos sobre o tema: a falta de identidade e propósito explicam muitas vezes a saída. Mas também coisas bem mais simples, como uma proposta com mais 50 euros ou a hipótese de chegar 15 minutos mais tarde. Isso é totalmente legítimo por parte de quem sai. Só não será tão “fair” vendermos a ideia de que saímos por causa de algo estruturante, quando no fim do dia são coisas eventualmente menos estruturantes. Se não queremos ser vistos como mercenários, não podemos agir como um.

Vivo tranquilo com a ideia de que este pensamento possa não ser pacífico ou politicamente correto, nesta era em que se reduz tudo ao “Propósito”. Mas como dizem os anglo-saxónicos: “I couldn’t care less.”

Nós que estamos, havemos de trabalhar o melhor que soubermos para dar “Propósito”. Mas o “Propósito” tem que valer mais do que 50 euros ou 15 minutos.